Terrorismo no Brasil
A recente decisão do governo brasileiro, em fóruns internacionais, de intensificar o combate ao terrorismo traz à tona o debate sobre a presença de terroristas no território nacional e os mecanismos que o Judiciário tem para combater esse tipo de crime. Em dezembro de 2013, um levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.
Terroristas em solo brasileiro
Um dos episódios mais famosos de terrorismo internacional no Brasil ocorreu, em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio. Na ocasião, a Polícia Federal brasileira prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972, quando atletas de Israel foram sequestrados e mortos. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram. O grupo ainda incentivou ataques de lobos solitários contra atletas de Reino Unido, Estados Unidos e França, sugerindo o uso de venenos ou explosivos ligados a drones, conforme noticiou o jornal britânico Daily Mail.
Dois anos depois, a Polícia Federal prendeu em Foz do Iguaçu (PR) o libanês Assad Ahmad Barakat, suspeito de financiar grupos terroristas. E, bem antes disso, em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.
Há, no mínimo, quatro casos de estrangeiros detidos no Brasil acusados de atuar como apoiadores ou facilitadores do terrorismo internacional:
I- Heshman Ahmed Mahmoud Eltrabily e Mohammed Aly Abou Elezz Ibrahim Soliman: ambos cidadãos egípcios, membros do Al-Gama’a al-Islamiyya, grupo ligado à Al-Qaeda. São acusados formalmente pelas autoridades do Egito pelo assassinato de 62 pessoas em um atentado terrorista. Ambos foram presos por autoridades brasileiras em 1999 e 2001, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) negou extradição citando erros no pedido e evidências insuficientes por parte da justiça egípcia.
II- Khaled Hussein Ali: cidadão libanês, um dos líderes da máquina de propaganda da Al-Qaeda. Ali casou com uma mulher brasileira com um filho brasileiro, em São Paulo. Ele é suspeito de coordenar atividades extremistas em 17 países. Ali foi preso pela Polícia Federal em 2009, mas acabou não sendo acusado formalmente e solto após 21 dias na cadeia.
III- Alan Cheidde e Anuar Pechliye: ambos cidadãos brasileiros. De acordo com Abu Zubaydah, membro da Al-Qaeda preso pelos Estados Unidos em Guantánamo, Cheidde e Pechliye receberam treinamento de combate no Afeganistão e no Brasil. Eles trabalharam na zona de fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai para conseguir documentos falsos para a Al-Qaeda.
IV- Jihad Chaim Baalbaki e Sael Basheer Yahya Atari: respectivamente cidadãos libanês e jordaniano que moraram em Foz do Iguaçu. Em 2005, eles foram presos pela Polícia Federal brasileira com 1.206 passaportes falsos. Além disso, descobriu-se que eles combinaram casamentos no Brasil de extremistas estrangeiros com jovens mães solteiras, que recebiam 500 dólares pelo casamento. Após os casamentos, os extremistas recebiam residência legal brasileira e adotavam as crianças para complicar ainda mais potenciais pedidos de expulsão ou mesmo extradição.
Casamentos de fachada
Uma das estratégias dos terroristas para buscar proteção sob as asas da legislação brasileira é o casamento. Eles se aproveitam de mulheres em situação de fragilidade para contrair matrimônio, dificultando um eventual processo de expulsão do país. Mães solteiras são alvos ainda mais atraentes, com a consequente adoção de crianças brasileiras.
A relação com terroristas, porém, está longe de trazer benefícios às mulheres. São comuns os casos de violência e a imposição de regras rígidas de comportamento, na esteira do que ocorre em áreas dominadas por grupos extremistas islâmicos. Como a união é apenas um casamento por interesse, existe ainda o risco de abandono material.
Mulheres abusadas
Em casos extremos, mulheres brasileiras são inseridas em verdadeiras máquinas de casamentos arranjados. São pessoas que sabem o que há por trás da união e iniciam uma sequência de casamentos e divórcios com homens diferentes, a fim de garantir-lhes o direito de residir no Brasil. Elas são pagas para participar do processo.
Os terroristas podem, inclusive, depois de conseguirem a documentação, abandonar as “esposas de fachadas” e trazer suas esposas “reais” de outros países. No caso de terem filhos aqui e se, ao crescerem cometerem atos terroristas em outros países, não poderiam ser deportados por terem nascido no Brasil. Uma “nova geração” de terroristas “made in Brasil”.
Estabelecida a residência, há uma série de atos praticados pelos terroristas que configuram crimes tipificados pelo Código Penal brasileiro, como a confecção de documentos falsos (falsidade material ou falsidade ideológica), tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e tráfico de armas. É o chamado “terrorismo não convencional”, sem atentados, mas com atividades ilegais.
Limitações da legislação
A lei antiterrorismo do Brasil é muito recente. Foi criada, em março de 2016, em virtude dos Jogos Olímpicos no Rio e, naquele mesmo ano, serviu de base para a prisão do grupo suspeito de planejar um ataque terrorista no grande evento esportivo.
“O maior avanço [da lei] é ter um tipo penal claro para dizer o que é terrorismo. Imperfeito, como qualquer tipo penal. Mas ele existe, está lá, e isso facilita a inserção do Brasil na luta antiterrorismo”, afirma Giuliano Savioli Deliberador, doutor em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo).
Há casos emblemáticos que mostram a capacidade de o Brasil lidar com criminosos internacionais. O ultradireitista Carlos Garcia Juliá foi preso no país em 2018 e extraditado apenas dois anos depois. Membro do grupo Força Nova, ele foi condenado pela justiça espanhola pelo assassinato de cinco pessoas em 1977, caso batizado pela imprensa local como “Massacre de Atocha”. “Foi o fim de um episódio sombrio na história da Espanha”, disse à época da extradição o embaixador espanhol Fernando García Casas.
Entretanto, não é incomum um criminoso internacional se valer de miudezas legais para evitar punição. Ou ao menos postergá-la. Para isso, primeiro é preciso entender a diferença entre expulsão e extradição. “A extradição é a saída compulsória do estrangeiro, em virtude de crime cometido em outro país, que pede para receber de volta o cidadão foragido. A expulsão ocorre depois de cumprimento de pena, quando o estrangeiro comete algum ato ilícito no Brasil”, explica o site Jus.com.br.
Daí o interesse de terroristas em contrair matrimônio e adotar um filho no Brasil. “Um estrangeiro não pode ser expulso se tiver filho brasileiro em relação ao qual ele tenha a guarda e que dependa economicamente dele”, explica Savioli Deliberador, que faz uma ressalva. “No caso da extradição, a questão do filho é irrelevante. A questão primordial aí é o interesse dos Estados”.
Para que a extradição seja possível, o país solicitante deve demonstrar ao governo brasileiro, ou que existe sentença condenatória definitiva, ou que o sujeito seja necessário para uma investigação criminal em curso. Além disso, o crime do qual é acusado no país de origem também precisa ser tipificado pela lei brasileira. E mais: se o crime resultar em sentença de prisão menor que dois anos na lei brasileira não há extradição prevista.
Casos famosos
Foram detalhes legais assim que permitiram ao britânico Ronald Biggs permanecer por tantos anos impunemente no Brasil. “O processo penal brasileiro é muito intrincado, cheio de ferramentas que, bem manejadas, podem favorecer réus culpados, mas muitas vezes também salvam inocentes”, afirma Savioli Deliberador.
Famoso por assaltar um trem postal no Reino Unido em 1963, Biggs escapou da cadeia, viveu clandestinamente na Austrália e depois fugiu para o Rio de Janeiro. De 1970 a 2001, ele foi uma celebridade no Rio, com camisetas e canecas estampando seu nome.
Inicialmente, a lei brasileira não permitia a extradição para o Reino Unido justamente porque ele tinha esposa e filho brasileiros. Em 1997, porém, os dois países assinaram um tratado, mas o STF decidiu que o pedido de extradição era inválido porque os crimes tinham ocorrido 34 anos e estavam prescritos no Brasil. Em 2001, Biggs voltou ao Reino Unido de forma voluntária para receber tratamento médico que não conseguiu por aqui.
Caso ainda mais complicado é o do italiano Cesare Battisti, militante de extrema-esquerda que matou quatro pessoas na Itália e fugiu para o Brasil, onde viveu por 14 anos. Ele recebeu asilo em 2010, concedido pelo presidente Lula, e o pedido de prisão pela justiça brasileira veio somente em 2018. Só foi extraditado para a Itália em 2019, depois de fugir para a Bolívia. Já o turco Ali Sipahi morou no Brasil por 13 anos, e o STF negou o pedido de extradição em 2019, alegando que não havia garantia de um julgamento justo na Turquia.
“Porto seguro”
O tenente-coronel André Soares, ex-agente da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), acredita que o Brasil está exposto ao terrorismo internacional, pois é um “porto seguro” para esses criminosos. “Uma das situações mais perigosas que passei foi o meu encontro com terroristas internacionais. As pessoas acham que o Brasil está isento de ações terroristas? O Brasil é o paraíso do terrorismo internacional. Porque nós estamos completamente vulneráveis à ação desses organismos”, disse ele ao canal Spotniks no mês passado. Declarações como essa do ex-agente da ABIN geram insegurança, pois demonstram que, até hoje, as autoridades brasileiras podem não estar lidando como deveriam com esse tipo de atividade criminosa.
Fonte: A Referência